terça-feira, janeiro 31, 2006

Trogloditas

A arqueologia adiantou-se ao The New York Times. O diário da família Sulzberger publicou esta semana um editorial em que denunciava a importante presença de trogloditas em Portugal.

No entanto, o jornal da Times Square não fez mais que confirmar algo que os paleontólogos tinham descoberto há várias décadas: que os trogloditas são tão antigos na península Ibérica como suas pedras, pois apareceram por estas paragens há um milhão de anos e uns quantos aqui ficaram para sempre.

Em todos os casos mais evoluídos, mas igualmente cavernáris como o Homo antecessor.

O jornal americano denomina trogloditas, todos os que desafiam publicamente a legitimidade dos governos eleitos, e por extensão aqueles dirigentes que se mostram compreensivos com certas ocorrências: desde que sejam das direitas, evidentemente.

A pré-história demonstra-nos que não está mal usado o qualificativo, porque é certo que o Homo antecessor era bastante imprevisível, sua estrutura social não atendia mais que a seu instinto de sobrevivência e tão-pouco eram muito de fiar, pois entre seus costumes desagradáveis figurava o de dar dentadas a tudo quanto se movia, inclusive a mão que lhes dava de comer, que é como quem diz o voto, ou para ser mais exacto, do que os ajudava a caçar.

De facto, o termo troglodita também se aplica, nos nossos dias, não só ao que habita nas cavernas e ao homem bárbaro e cruel, senão inclusive àqueles que são muito comedores, possivelmente recordando que aqueles interesses longínquos podiam comer outros seres humanos se não encontrassem veados, javalis ou potros. Ainda não comiam porcos.

Também é verdade que os trogloditas eram facilmente influenciáveis nas suas condutas pelos mais fortes das suas comunidades, aqueles que eram mais ousados na hora de caçar grandes animais, como o elefante lanudo.

Mais ou menos como alguns dos que hoje se pavoneiam e a seu poder, que mantêm um discurso em cujo currículo também figura terem em tempo recente caçado alguma grande peça da política, tão difícil de abater como os mamutes pré-históricos.

Uma destas noites passadas, vi um filme de Jean-Jacques Annand – Em Busca do Fogo – e nos berros do interior da caverna pareceu-me descobrir algumas sentenças troglodíticas que se têm ouvido nos últimos dias.

E até um dos protagonistas barbudos do filme me recordou, vagamente, um habitual – agora sem barba – da imprensa.

Não dizia que Portugal se rasga pelas costuras, mas o grunhido era o mesmo.